segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pirandello e Ele

Eu queria me matar, ele disse assim como quem diz que quer sorvete de baunilha. Ela olhou um tanto assustada, mas com uma ponta de desconfiança - os olhos azuis no canto dos olhos. Tu não teria coragem. Não havia desafio na fala dela, quem sabe ceticismo. Eu não disse que vou fazer, eu disse que tencionava fazer, que seria bom se eu pudesse, que se, e quem sabe se, eu fizesse talvez fosse melhor. Melhor pra ti, que não ia ter que ter mais responsabilidades, dessa vez ela estava enfezada. Estranho como a palavra enfezada é bacana, já perceberam? Assim como bacana. Mas deixa pra lá, o que eu penso não importa, só interessa o que ele e ela pensam, por enquanto. Ah, esqueci de dizer, nesse momento em que eu estava divagando havia um silêncio sepulcral repartindo os dois, daqueles bem constrangedor. Por mim tu faz o que tu quiser, ela estava sendo sincera. Não posso, Ele não deixaria. Reparem que esse Ele não é ele, é um outro ele que não tinha aparecido até agora. Ele quem? Para sorte do leitor, ou deus ex machina, mesmo, ela fez a pergunta que faltava. Ele, porra, o autor, aquele escroto. Escroto é palavrão? Não sei, mas é foneticamente interessante, não acham? Verdade, baita escroto, não sei pra quê toda essa pantomima. Pantomima, boa. É um safado, sacana, infame e pederasta, ele vociferou. É inútil, ela resignou-se, Ele não vai te matar, nem a mim. Seremos sempre personagens inúteis de uma história sem sentido, suspiraram os dois, ao mesmo tempo, com vozes que se confundiam. E ficaram em silêncio como dois títeres, enquanto Ele procurava outros personagens...