quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O homem que queria publicar ou This is the end, beautiful friend

Buenas, gurizada, lá vai mais um final de ano, mais um aniversário do blog e mais agradecimentos pelos comentários e leituras.

No fim do ano passado, comentei que era hora de criar asas. Ledo engano.

O que eu me referia naquele - não muito - enigmático post é que eu achava que chegara a hora de publicar meus textos. Não que esse espaço bloguístico já não seja uma espécie de publicação. Porém, após ter trabalhado em uma livraria e ter lidado um pouco com o universo editorial, achei que era capaz de conseguir publicar um livro - com cheiro de novo e tudo.

O que veio após essa resolução foi uma sucessão de orçamentos, sustos com valores, críticas - boas e ruins - de editores. E eu nem sequer tinha o tal livro pronto.

Então, como eu não tinha o livro terminado, os contatos que eu fazia com editoras eram mera especulação. Porém, em agosto eu finalizei o livro. E mais uma rodada de tratativas começou.

O que tenho a dizer é que não é nada fácil publicar no Brasil. Ou você tem que ter grana pra bancar o seu livro, ou dar a sorte de ter algum conhecido no meio. Ambos não são meu caso. Outra saída são os concursos literários, mas estes, muitas vezes, são obscuros e com resultados duvidosos.

Mas se 2010 não foi o ano, 2011 será. Nem que eu tenha que fazer um esforço e bancar minha publicação. Nem que seja uma publicação independente (também consultei gráficas). Mas não deixarei que a poeira tome conta do meu sonho.

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A quem interessar possa, aí vai uma palhinha do futuro livro, que, não por acaso, se chamará "A razão do absurdo":


Mais uma informação: Como podem ver no índice, o livro será formado por alguns contos inéditos, mas também por material já publicado aqui. Ou seja, uma forma de prestigiar, vocês, que lêem, comentam, criticam e etc.

Como consequência desse (quase)desabafo, comunico que estou abandonando de vez a produção para este blog. Notícias sobre a (tentativa de) publicação do livro podem pintar por aqui. Fiquem de olho!

Obrigado por tudo nesses dois anos. E espero que vocês sejam meus futuros leitores na versão impressa. Grande abraço!

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A fila


Um homem, um dia, decidiu que teria sua própria fila.

Nada de muito importante.

Queria apenas comprovar o quão forte é o poder atrativo de uma fila.

Acordou cedo, mais cedo que o costume. As lojas estavam fechadas àquela hora. Parou sem motivo aparente à frente de uma loja de eletrodomésticos. E ali ficou a fila. Sentiu sono e por pouco não dormiu de pé. Acordou e viu que a fila estava formada. Não era mais que vinte ou trinta pessoas, mas em tempo recorde e sem motivo aparente o que fazia desta fila uma fila, no mínimo, inusitada. Riu-se. Quase gargalhou. Estava provado, havia mesmo um magnetismo inexplicável que atraía as pessoas para a fila.

Passados alguns minutos – e a fila não parava de crescer – o homem fez um gesto encenado de descontentamento com a não abertura da loja. Olhou o relógio e quase que assustado fez uma careta de atrasado. Estava dado o signo: “Não posso mais esperar”. Saiu rindo, gargalhando, quase perdendo o fôlego da façanha que aprontara. Teve sua glória, podia falar orgulhoso para os amigos.

(...)

Recorte de jornal do dia seguinte:


Moral da história: Nunca brinque com mitos populares.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um corretor

Eu sou um corretor. Desses que ficando corrigindo os erros dos outros e rindo disfarçadamente pelas suas costas. É engraçado mesmo. Ganho a vida corrigindo quem não sabe escrever direito. Na verdade, você deve estar se lichando para o que eu faço ou deixo de fazer. Mas eu também não dou a mínima para o que faço.

Nunca precizei me entupir de livros, ou coisa parecida, sempre tive um talento natural pra coisa, sabe? Eu sempre fui bom em bater o olho e ver uma discrepânsia ortográfica. Ler era perca de tempo, eu sempre tive o dom.

Ainda assim resolvi fazer Letras, não porquê eu precizasse mas se eu não tivece um diploma ninguém me daria emprego. É a lei da vida. Voçê se fode estudando para arrumar um trabalho de merda e ganhar um salário de merda, mas se você não faz isso é pior ainda. Por mais que eu tivesse o dom, eu precizava do maldito canudo.

Arrumei esse emprego e fico aqui o dia inteiro, corrigindo as bobagens dos outros ganhando dinheiro nessa editora furreca. As vezes pego uma tese de mestrado ou um trabalho acadêmico pra revizar e ganhar uma grana, mas a horas que não aparece nada. Então sigo na minha vida, casa, trabalho e buteco. Isso mesmo, todo o dinheiro que eu ganho corrigindo os idiotas escorrem guela abaixo na cerveja que eu bebo.

Eu hoje tô mal humorado, é sexta-feira e meu chefe tá me encomodando. Dizendo para ter atenção na hora de corrigir os "desvios de linguagem". Desvio, o caralho. É erro mesmo. Essa gente escreve errado, é burra semianalfabeta, acéfala. Mas eu concordo, não posso tirar o direto do homem reclamar. Por mais bom que eu seje, ele preciza fazer o papel dele de chefe.

Era isso, pessoal, mas um fim-de-semana se aproxima e as garrafa me esperam no bar. Estou só pela ordem do chefe para ir e beber até não conseguir mais me mecher. Se vocês precizarem, podem me mandar os seus trabalhos que eu corrigio na boa, afinal já fazem anos que faço isso. E desde sempre eu fui o melhor. Prometo que não não vou rir das besteiras que vocês cometerem. Não muito.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

a meu derredor

a meu derredor
as paredes conversam segredos
sozinho, solitário, abandonado
até por meus medos

o som das paredes se perde
na ruína que resta de mim
pelo estrago das horas passadas
na busca por um fim

espero pelo dia da minha vida
em que toda minha vida esteja morta
enquanto lastimo profundamente
o insuportável silêncio da porta

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

a cura

Em 2003, estava eu no primeiro ano do curso de Letras. Sempre gostei de escrever e criar histórias, porém, naquele ano, talvez por estar me achando um letrado, talvez por estar estudando Teoria da Literatura, escrevi o que considero o meu primeiro conto dentre vários outros que já escrevi - muitos deles publicados aqui.
Na verdade, até pelo fato de ser um iniciante, este conto não é, de longe, um dos melhores que já escrevi. Vendo com a distância que me permite o discernimento, até posso dizer que é um dos meus contos mais fraquinhos. Não simpatizo muito com ele, hoje. Até por isso ele não consta do arquivo deste blog.
O conto em questão se chama "A Cura", e conta (perdão pela redundância) a história de um médico, com problemas com seu passado, que volta a sua cidade natal, depois de anos, para confrontar os seus fantasmas.
Em 2005, após a insistência de alguns amigos, resolvi submeter o conto à seleção da Revista Enlaces (da Coordenação do Curso de Letras da FURG). O conto foi aceito e se tornou o meu primeiro trabalho de ficção a ser publicado. Mesmo sabendo que não era um trabalho inspirado fiquei contente com a aprovação e, claro, com a publicação.
Abaixo, um Print Screen da página da revista:

Se você, assim como eu, não é muito de assistir TV deve estar se perguntando o que isso tem a ver. Bueno, é que na semana passada eu descobri que a Globo está lançando uma minissérie (eles chamam de série, apesar de que, para mim, série é outra coisa). Até aí nada de novo, porque volta e meia a Globo lança "séries" novas.
Acontece que a nova "série" da Globo se chama "A Cura" e conta a história de Dimas (Selton Mello), um médico que retorna a sua cidade natal para fazer as pazes com seu passado. O mote é praticamente o mesmo! É claro que o desenrolar da trama é diferente. Enquanto no meu conto falo de bullying e doenças raras, a "série" parece que vai abordar poderes místicos e acusações de assassinato.
Eu sei que parece muito difícil alguém ter lido meu conto, publicado quase que obscuramente, e se utilizado dele de forma ilícita, mas fiquei assustado quando vi a chamada do programa e percebi as coincidências. Ou eu estou exagerando?


A "série" começa amanhã e eu vou acompanhar. Até porque ela conta com o Selton Mello, um ator que eu gosto bastante e que, para mim, sempre realiza bons trabalhos.

Quem quiser conferir o meu conto, pode baixá-lo aqui, e tirar as dúvidas.

E que qualquer semelhança seja só mera coincidência.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

ria, palhaço!

"Ouvi uma piada uma vez. Homem vai ao médico. Diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. Médico diz ‘Tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade. Assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo'. Homem se desfaz em lágrimas. E diz 'Mas, doutor, eu sou o Pagliacci'."

Alan Moore (Watchmen)


Esticada a lona. Debaixo do céu, um outro céu se desfralda. E é sob este céu que os súditos acotovelam-se para reverenciar a sua majestade: o palhaço. Com Cocuruto não é diferente. No picadeiro ele é o monarca. E ao mesmo tempo, o bobo. Acompanhado de seu fiel escudeiro, o anão Davi, ele faz estripulias que fazem o público ir à loucura. E cada dia era mais um dia para Cocuruto, ao contrário de seu público. E foi num dia como outro dia, em uma estripulia como tantas outras, que o inédito público testemunhou algo tão inédito quanto eles. Cocuruto desmaiou no picadeiro. Davi já estava acostumado. Fazia parte do número. Não daquela vez. E quando Davi deu-se conta que seu esforço colossal, que normalmente fazia o parceiro saltitar, de nada adiantara, correu desbaratinadamente para atrás do picadeiro. Quanto mais o anão se desesperava, mais o público gargalhava.

No dia seguinte, o Sr. Asclépio chamou Cocuruto, que, ainda grogue do tombo e do susto da noite passada, recebeu do outro dinheiro para que fosse ao médico. Cocuruto até resmungaria, pois de sua vida simples orgulhava-se de nunca ter de visitar um médico. De fato não gostava deles. Porém ordens são ordens.

O médico não lhe deu receita. Deu-lhe apenas um bilhete e disse que tudo estava bem. Como Cocuruto não sabia ler e o médico era um grande amigo de seu patrão, ele acalmara-se. Sossegado, Cocuruto entregou o bilhete ao Sr. Asclépio que o leu, olhou para ambos os lados, e rasgou-o. Depois, ordenou que Cocuruto voltasse ao trabalho.

Apesar das dores de cabeça, Cocuruto voltou ao trono. Seus dias de rei continuaram. Até que um dia como outro qualquer, em uma estripulia como tantas outras, Cocuruto desmaiou. O público gargalhou como nunca.

No dia seguinte, pelo menos, o funeral foi digno.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pirandello e Ele

Eu queria me matar, ele disse assim como quem diz que quer sorvete de baunilha. Ela olhou um tanto assustada, mas com uma ponta de desconfiança - os olhos azuis no canto dos olhos. Tu não teria coragem. Não havia desafio na fala dela, quem sabe ceticismo. Eu não disse que vou fazer, eu disse que tencionava fazer, que seria bom se eu pudesse, que se, e quem sabe se, eu fizesse talvez fosse melhor. Melhor pra ti, que não ia ter que ter mais responsabilidades, dessa vez ela estava enfezada. Estranho como a palavra enfezada é bacana, já perceberam? Assim como bacana. Mas deixa pra lá, o que eu penso não importa, só interessa o que ele e ela pensam, por enquanto. Ah, esqueci de dizer, nesse momento em que eu estava divagando havia um silêncio sepulcral repartindo os dois, daqueles bem constrangedor. Por mim tu faz o que tu quiser, ela estava sendo sincera. Não posso, Ele não deixaria. Reparem que esse Ele não é ele, é um outro ele que não tinha aparecido até agora. Ele quem? Para sorte do leitor, ou deus ex machina, mesmo, ela fez a pergunta que faltava. Ele, porra, o autor, aquele escroto. Escroto é palavrão? Não sei, mas é foneticamente interessante, não acham? Verdade, baita escroto, não sei pra quê toda essa pantomima. Pantomima, boa. É um safado, sacana, infame e pederasta, ele vociferou. É inútil, ela resignou-se, Ele não vai te matar, nem a mim. Seremos sempre personagens inúteis de uma história sem sentido, suspiraram os dois, ao mesmo tempo, com vozes que se confundiam. E ficaram em silêncio como dois títeres, enquanto Ele procurava outros personagens...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

antes tarde do que ontem à tarde

Sávio sempre foi um cara legal. Era do tipo que todos queriam como amigo. Sávio tinha tantos amigos que mal podia se dar conta de quantos tinha. Mas dentre todos, ele só se importava com Carmela. Sávio conheceu Carmela há tanto tempo que nem ele podia precisar. Ela era diferente, gostava de coisas estranhas e tinha um sorriso capaz de parar o mundo. O mais estranho, porém, era aquela indiferença estranha que ela quase sempre despendia.
Não é necessário dizer que Sávio, havia muito, tinha uma queda por Carmela. Uma queda livre do alto do mais alto dos edifícios, diga-se de passagem. O problema, para Sávio, era que ele nunca sabia se Carmela também estaria disposta a jogar-se com ele do alto do tal edifício. Era um jogo silencioso. Sávio fazia às vezes do grande amigo que sempre fora e Carmela esquivava-se de qualquer decisão. Sim, Carmela era uma indecisa nata.
Quando Carmela interessava-se por um tipo qualquer, Sávio passava dias amuado, mas de forma sutil, tanto que Carmela sequer percebia. Carmela tentava dividir confidências, mas Sávio dizia que era preciso não saber de tudo, pois se soubessem tudo um do outro, o segredo estaria revelado. É claro que esse segredo era um ambiguidade óbvia, mas para Carmela era só uma metáfora metafísica.
Sávio também teve seus casos, nenhum duradouro, na verdade. Esperava pelo dia em que tomaria coragem e embarcaria para felicidade. Ou perderia uma amizade que lhe era muito cara, já que não suportaria um "não" e teria que, inevitavelmente, afastar-se de Carmela. Às vezes, os dois saiam juntos e bebiam até não poderem mais parar de rir. E quando isso acontecia, ficavam um grande tempo parados, olhando um pro outro, tentando decifrar-se mutuamente sem serem devorados.
Mas Sávio nem na embriaguez tomara coragem. Havia o risco já mencionado e Sávio não era do tipo que apostava todas as fichas em uma rodada de poker. Preferia a cumplicidade do abraço amigo do que arriscar a possibilidade temerária do beijo amante. Mas isso até ontem à tarde.
Carmela ia viajar. Intercâmbio. Quatro meses fora. Sávio fora encorajado pela sua legião de amigos. Era o dia. Se recebesse o não, teria tempo. Se fosse o sim, um único beijo, que poderia ser relembrado na volta. Não precisava apostar todas as fichas. A oportunidade chegara.
Na rodoviária, depois de ajudar Carmela com a bagagem, ficaram olhando-se fixamente, parados, absortos num mundo em que só havia os dois. Não era preciso dizer nenhuma palavra. Nos olhos azuis de Carmela a resposta estava formada. O celular de Sávio começou a tocar insistentemente. Atendeu, tinha tempo, ainda faltava alguns minutos. Desligaria na cara do chato que ousou interromper o mundo que se formava entre ele e Carmela. Era seu pai, chorando. O pai de Sávio nunca chora. Era a mãe de Sávio. Sim, ela se fora.
Sávio ficou parado, mudo. De seus olhos brotaram lágrimas que Carmela, ingenuamente, achou que fossem pra ela. O clima estava pesado. Carmela beijou-lhe o rosto e disse, ao ouvido, algo que Sávio não lembra. Ela se foi. Chorando, também. Sávio ficou ali perdido, sem saber com agir. Da janela do ônibus, Carmela lhe enviou um aceno e um beijo. Sávio debulhou-se em lágrimas. Havia perdido duas mulheres em uma só tarde.